sábado, 1 de março de 2008

O DIREITO COMERCIAL

é um ramo do direito privado que regula a actividade económica no âmbito do privado, querendo referir-se ao comércio. É, porém de notar que a palavra comércio não está tomada aqui no sentido usual, ou seja, como o define os economistas, sendo um conjunto de actividades relativas à criação dos bens – actividade de mediação entre a produção e o consumo. Mas não é isso o significado de comércio à luz do Direito Comercial, uma vez que este direito se aplica indistintamente ao comércio e à indústria, como disposto no artigo 230º CCom; sendo o industrial, também, comerciante. No entanto, o Direito Comercial, também, não pode ser o direito regulador de toda a actividade económica, desta vez errada por excesso; pois não é verdade que toda a actividade economia seja regida pelo direito mercantil como o caso das indústrias extractivas, a actividade agrícola, as profissões liberais e até os artesãos. A falta de correspondência entre o domínio de aplicação do direito comercial privado e o domínio do comércio revela-se ainda no facto de nem todas as normas e instituições mercantis se destinarem exclusivamente ao comércio; pois de facto elas formam-se, sem dúvida, no âmbito da comercialidade, mas que dele se separa, posteriormente, tornando-se de uso comum como as letras de câmbio. Daí, sempre se ter definido o Direito Comercial como direito privado, o direito privado do comércio, não sendo isto um conceito muito rigoroso. Pois o Direito Comercial não é só relativo ao comércio e antes atrai para a sua órbita, certas outras formas de actividade económica; também, o Direito Comercial vigente não se dirige exclusivamente à satisfação das necessidades comerciais; e, por outro lado, nem todas as normas reguladoras do comércio são da alçada do Direito Comercial concebido como direito privado. Sendo o Direito Comercial um direito privado assenta no Direito Civil, na relação jurídica nas relações privadas. Assim, podemos dizer que o Direito Comercial é um direito especial dentro do direito privado Depois de delimitar as relações jurídico-mercantis do Direito Comercial, importa saber qual a consequência que se segue? E assim, temos: - a relação entre sujeitos que é subsumida numa categoria, ou seja, cabe num tipo definido na lei; - os princípios que são aplicados tendencialmente a todas as normas, depois de definida uma relação como mercantil; e - o Direito Comercial como direito especial, pois não é um direito que regule todos os aspectos da relação jurídica, trata só de alguns aspectos que devam ser tratados de uma forma específica. Portanto, temos um direito comum e um direito especial, ou seja, o Direito Civil e o Direito Comercial. Como se relacionam? Quando se aplica um e quando se aplica outro? Primeiramente, temos de identificar as relações jurídico-mercantis e, depois saber qual e para o que releva. Quanto à identificação das relações jurídico-mercantis, importa esclarecer, que historicamente o Direito Comercial enquanto especial surgiu na Idade Média, num contexto de estabilidade político-militar, começando a ganhar mais relevo uma actividade económica através das trocas – mercadores. Ora, como estávamos num contexto de pacificação, isto levou a uma maior facilidade de comunicação, sendo o comércio uma actividade inerente ao desenvolvimento humano. Portanto, levou a um desenvolvimento novo com uma nova importância na vida social, começando os comerciantes a: - associar-se com objectivos de defesa, passando a andar todos juntos, - associar-se com objectivos de reunir investimentos, criando associações, sociedades; nascendo nesta época as letras de câmbio. Com a corrente institucionalista aparece as corporações, sendo estas associações criadas pelos mercadores que vieram a ser aplicadas no caso de existirem conflitos entre eles – criação dos trabalhadores consulares para aplicarem as regras que se tinham gerado na prática. Cria-se, assim, um novo corpo de regras consuetudinárias, jurisprudenciais, estatuárias, mas não legais. Estas regras criam-se em oposição ao Direito Civil, aplicando-se o Direito Comercial aos membros da corporação. Perante isto, o Direito Comercial começa com uma configuração subjectivista, pois aplica-se aos sujeitos – mercadores ou comerciantes. Isto é a matriz da nova era económica, pois tendia a coincidir a noção jurídica de comerciante – corte vertical, com as actividades abrangidas pelas relações comerciais. Assim, temos 2 linhas de evolução: alargamento objectivo e, por outro lado, o alargamento subjectivo. Ou seja, o desenvolvimento da actividade comercial vai gerar um movimento de potenciar a produção; e assim, começa a surgir a indústria, no caso o modo de produção artesanal. A diferença entre indústria e a produção artesanal baseia-se no facto de respectivamente o resultado final ser imputado ao processo de produção da empresa, em vez de depender da habilidade do artista, existido na indústria uma autonomia do processo. Em suma, o comerciante gera um movimento amontante impondo que se produza algo – alargamento objectivo. Ao lado desta, surge uma “nova classe” – os artesãos, que se vão agrupar em corporações próprias – alargamento subjectivo. O QUE SE APLICA A ESTES? DIREITO COMERCIAL? Além dos artesãos, também por força do regime sucessório na Idade Média, começam a dedicar-se ao comércio os filhos dos nobres que não tinham bens, não estando estes em corporações, logo pelo facto de pertencerem à nobreza. Com isto, desenvolve-se a ideia de actividade objectiva, exercida pelos membros das corporações; e a actividade subjectiva, sendo esta exercida por sujeitos que têm actividades análogas à dos comerciantes. Com esta ideia de actividade subjectiva nasce a ideia de comerciante ocasional, significando que se dedicam ocasionalmente ao comércio, podendo assim, aplicar-se o novo Direito Comercial. Este novo Direito Comercial assentava no critério do comerciante, atendendo agora ao critério objectivo e não subjectivo, isto é, natureza da actividade exercida. Portanto, podemos dizer que o Direito Comercial tem dupla face querendo afirmar que, assenta formalmente no critério subjectivo, ou seja, nos sujeitos estando subjacente o critério objectivo. Reencontra-se, assim, o equilíbrio fazendo-se coincidir o corte vertical e o corte horizontal, respectivamente o comerciante e a actividade exercida. O Direito Comercial não legal, subjectivo passa a ser coberto pela lei – direito legal. No séc. XVIII, com a Revolução Francesa afirma-se a classe mercantil/comercial – a burguesia, sendo esta classe, o motor da revolução. Tínhamos na França por um lado a agricultura e, por outro lado o comércio, pois a indústria não tinha grande expressão, uma vez que a revolução industrial ainda não tinha afectado o país. O Direito Comercial era um direito de casta, um direito privativo de uma certa classe, colidindo com os princípios da Revolução Francesa – princípio da igualdade (a lei aplicava-se a todos); pois a consequência extrema da Revolução Francesa era acabar com a desigualdade. Daí o Direito Comercial ter desaparecido, não interessando isto a ninguém. Não foi o Direito Comercial abolido, mas vai ser remodelado, sendo aplicado a todos e não só a alguns; uma vez que se proclamava a liberdade de exercício de comércio, extinguindo-se as corporações. Elabora-se um Código Comercial, o Código Comercial Francês de 1807 não sendo o Código dos Comerciantes, ou seja, vai atender-se à actividade e não à qualidade dos sujeitos; isto é, atende à natureza da actividade económica. Vem disciplinar os actos de comércio objectivos, sendo este um critério da natureza ou matéria da própria relação em si. Por isso, deixa o Direito Comercial de ser privativo de uma classe e passa a disciplinar os actos de comércio, sejam ou não comerciantes as pessoas que os pratiquem. A noção de ACTO DE COMÉRCIO gera-se nesta fase para substituir a noção do comerciante, no entanto, não há uma noção de acto de comércio, dizendo o artigo 2º CCom que são operações jurídicas (os contratos, os negócios), actos de interposição das trocas – Direito Comercial objectivista. E onde fica a indústria e a prestação de serviços? Vai recorrer-se a uma noção formal de acto de comércio, que é o que está previsto no Código, funcionando como uma placa indicativa de outras direcções – enumeração implícita, ou seja, coincidindo o que se querer definir com o caminho para lá chegar. A noção de acto do comércio é compatível com França, pois coincide com a actividade económica. A indústria, no entanto, é uma estrutura profissional, e como consequência, temos o Direito Comercial objectivo e subjectivo só havendo uma diferença: o Direito Comercial objectivista abrangia, por força de igualdade, algo que o subjectivista não abrangia na Idade Média – o comércio ocasional, pois abrange o Direito Comercial, todos aqueles que pratiquem actos previstos na lei. Assim, o que continua a designar o Direito Comercial é a actividade profissional e não o comércio ocasional. A partir do Código Francês, aparece o Código Alemão de 1897. A Alemanha, no séc. XIX sofreu uma industrialização acelerada e, também, uma financialização. Portanto, na vanguarda da Alemanha está a indústria e o sector financeiro, tendo este sector grande força na indústria, vindo a imprimir de novo ao Direito Comercial um acento rasgadamente subjectivo e profissional. Como não se podia, quanto ao sector financeiro, falar em unificação do Direito Comercial e Civil; então faz isto ressurgir o Direito Comercial numa feição subjectivista. Ou seja, era o direito dos comerciantes, e estes são aqueles que se dedicam à actividade económica e que se assumem como tais. Uma orientação análoga à do legislador alemão é a seguida pelo Código Italiano de 1942. Assenta basicamente no comerciante, fazendo uma grande referência à empresa, saltando à vista pela indústria; significando que assenta no acto de comércio formal, trazendo este a actividade mercantil. Passa, assim, o direito mercantil a centralizar-se nas empresas, estando por detrás aquele que exerce profissionalmente uma actividade económica organizada com vista à produção ou à troca de bens ou serviços. Assim, no séc. XX, o Direito Comercial é o direito das empresas, relação entre empresas comerciais – novo corte vertical. Os actos comerciais servem, então para trazer para o Direito Comercial as actividades comerciais mais desenvolvidas. O DIREITO COMERCIAL É O DIREITO DOS ACTOS COMERCIAIS, DAS EMPRESAS E DOS COMERCIANTES – artigo 1º, 2º, 230º e 463º CCom. EM SUMA, o Direito Comercial é um direito especial dentro do direito privado, uma vez que regula a actividade económica no âmbito das relações jurídicas privadas. O Direito Comercial delimitou-se primeiro pelos sujeitos e depois pelos actos de comércio. Os actos de comércio vêm acabar com o direito de casta, para se aplicar a todos, ou seja, aos profissionais e aos que ocasionalmente se dedicam ao comércio. O subjectivismo comporta um grande alargamento (profissionais e não profissionais), pois podia deixar de haver unidade com o objectivismo; daí voltar-se ao subjectivismo para tentar que exista essa unidade. O Direito Comercial tem de ter instrumentos próprios como os actos de comércio e outros. A noção de actos de comércio é um conceito jurídico influenciado por circunstâncias ideológicas e políticas. Os actos de comércios são o critério que corresponde à comercialização de sectores específicos dentro do Direito Comercial, pois permite comercializar a actividade comercial propriamente dita. Mas é impossível construir um conceito unitário de acto de comércio, dado o carácter heterogéneo das várias actividades reguladas nas leis comerciais, pois alguns são considerados como actos por serem eles acessórios de outros actos como o mandato, o empréstimo, o penhor a fiança e outros; ou por pertencerem ao âmbito de uma actividade mercantil profissional ou de uma empresa mercantil. O Código Francês era um Código objectivista, pois o acto de comércio visa regular as actividades mercantis. O Direito Comercial é como foi dito anteriormente o direito dos actos de comércio, das empresas e dos comerciantes. O artigo 362º CCom traz noções de outros sectores , tendo aqui de recorrer à noção de empresa como a indústria transformadora – artigo 230º CCom. O artigo 366º CCom dá-nos a NOÇÃO DE EMPRESA ADMITINDO A INDÚSTRIA TRANSFORMADORA E A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS Assim, pode concluir-se que parte da empresa e não de acto de comércio, pois este só traz para o Direito Comercial as actividades comerciais mais desenvolvidas. Estes critérios não são alternativos, mas podem concorrer para a delimitação das relações. Também, verifica-se que a distância entre estes 2 critérios é reduzida pelo facto de a concepção subjectivista não dispensar a determinação, por forma objectiva, dos actos que se considerem comerciais; a concepção objectivista, por outro lado, também, nos diz que comerciante é todo aquele que habitualmente se dedique à prática de actos comerciais. Todos utilizam noção de acto de comércio e em todos assume importância maior ou menor a noção de comerciante. A grande diferença traduz-se no facto de enquanto no sistema subjectivo só são comerciais os actos praticados pelos comerciantes, por quem exerce profissionalmente o comércio; no sistema objectivo não se tende à qualidade do sujeito, ficando ainda sujeitos ao ordenamento mercantil os próprios actos isolados de comércio – comércio ocasional. No Código Comercial Português, o artigo 1º vem reger os actos comerciais, que demonstra que é um Código objectivista, vindo, assim, recusar o subjectivismo. O artigo 2º CCom vem estabelecer que os actos de comércio são os que estão previstos no Código, havendo uma enumeração implícita; que leva à conclusão que o que se quer definir e o que fazemos para lá chegar é o mesmo. Assim, converte a empresa para trazer para o Direito Comercial a indústria e a prestação de serviços – critério subjectivista. A especificidade do Direito Comercial está na ideia de profissão, ou melhor dizendo, empresa, e daí se explica que certos sectores da actividade económica não estejam no âmbito do Direito Comercial. Quanto à empresa, não se sabe muito bem o que é, dizendo Orlando Carvalho que empresa é uma noção pré-jurídica. PORQUE FICA DE FORA A AGRICULTURA ? Em primeiro lugar, a empresa tem de ser um processo que se estrutura numa determinada forma destinada à produção em sentido amplo, abrangendo isto, as prestações de serviço. Em suma, abrange as pessoas e os meios. Em segundo tem de ter autonomia, ou seja, o produto tem de ser imputado ao processo e não a alguém do processo, como no caso do artesão, onde não há autonomia, e por isso não há empresa, até pelo artigo 230º CCom que nos refere que o artesão nunca esteve no Direito Comercial, porque existe um modo de produção artesanal e não um modo de produção industrial. Portanto, não há autonomia, nem empresa se o produto depender de factos extrínsecos ao processo, como o caso da agricultura, explicando-se assim a exclusão desta actividade do Direito Comercial. Em suma, a agricultura não é exercida em módulos empresariais, não há autonomia, porque depende de elementos externos como o clima e pragas. O sentido da inclusão de actividades e de exclusão das mesmas tem a ver com a empresa. No entanto, temos um acto de comércio por excelência sendo a compra e venda regulada no CCom, desde logo pelo artigo 2º pela noção de actos de comércio, num direito objectivista. Contudo, o artigo 463º CCom faz referência à COMERCIALIDADE DAS COMPRAS COM O INTUITO DE REVENDA. Ou seja, o legislador viu o lado da compra e o lado da venda como acto de revenda, sendo, assim, um acto de comércio. A compra e venda é um acto objectivo por causa da intenção, pois elas são iguais, o que as distingue é a intenção. Assim, acto de comércio objectivo é aquele que está previsto no Código e não depende da qualidade do sujeito, ou seja, independentemente de factores subjectivos, justificando-se estes factores subjectivos pelo tráfego comercial, por causa dos comerciantes. Este regime de compras e vendas mercantis está previsto nos artigos 463º ss CCom. O nº 1 do artigo 464º e nº 1 do artigo 463º EXCLUI AS COMPRAS E VENDAS PARA O USO PARTICULAR. O ponto de partida do Código Comercial é objectivista, mas com elementos mínimos subjectivistas, porque não desconhece a empresa nem o comerciante, considerando-os como na realidade. Assim, estes elementos mínimos subjectivos levam-nos para os actos que comercializam o comércio em sentido económico, caracterizado pela revenda – ARTIGO 463º CCOM E DEPOIS PARA A INDÚSTRIA TRANSFORMADORA (EMPRESA) PELO CRITÉRIO DO ARTIGO 230º, Nº 1 CCOM E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS , também, através da empresa como o banco. Assim, podemos dizer que, a indústria e as prestações de serviços são exercícios profissionais, são comerciais; o comércio, em sentido económico mais amplo, abrange os exercícios profissionais e os ocasionais. Exclui-se a agricultura, porque depende de exterioridades; e o artesanato, porque não corresponde ao modo de produção industrial. O artigo 464º conjugado com o 230º CCom diz-nos que não são comerciais, o comércio ocasional, nem as explorações agrícolas nem os artesãos. Há um outro sector que é excluído do Código Comercial, mas que não é dito explicitamente que é as profissões liberais, porque as prestações de serviços só são comerciais se exercidas empresarialmente, uma vez que dependem de factores externos como o caso do médico, onde falha a autonomia, a autonomia do resultado perante o sujeito. Contudo, tem-se assistido a uma grande evolução de mercantilização e depois de comercialização, e devido a isto, muitas actividades são trazidas para a actividade económica como o caso do desporto. Portanto, a empresa tenta alargar o seu âmbito, levando a que actividades não empresariais inicialmente sejam trazidas para o âmbito do Direito Comercial como a agricultura quando feita em estufas, com produtos para as pragas, deixando aqui o produto de depender de elementos extrínsecos. Exemplo disto além da agricultura são a medicina em certas áreas como a radiologia, até mesmo uma clínica fora o diagnóstico e o tratamento que não são empresariais. Outro exemplo é a sociedades de advogados com advogados especializados em certas áreas, dependendo aqui o produto não de um, mas de muitas pessoas. O artigo 230º CCom diz que a agricultura está fora do âmbito do Direito Comercial, mas não é bem assim. Pois quanto a esta norma temos a estatuição (haver-se-ão por comerciais) e a previsão (as empresas); o que significa que o § 1º não exclui a comercialidade, apenas constata a sua empresarialidade, bem como § 2º que é uma excepção à previsão, não excluindo que elas sejam comerciais. O artigo 464º, nº 3 e 230º, nº 2 CCom não fala da agricultura, só o § 2º do artigo 230º CCom. Importa, agora, analisar a noção de empresa, segundo Orlando Carvalho, que defendia que empresa era uma noção pré-jurídica e que para se classificar como tal teria de obedecer a estes requisitos:
1. um processo que se estrutura numa determinada forma destinada à produção em sentido amplo (prestações de serviços), onde se abrange a pessoa e os meios; 2. autonomia funcional, uma vez que o produto tem de ser imputado ao processo e não a alguém do processo; 3. extroversão, pois é um processo virado para o exterior e não para o interior, querendo dizer que é virado para o mercado, com a empresa como novo sujeito económico; 4. autonomia financeira, pois tem a empresa de visar excedente, ou seja, lucro. É uma noção pré-jurídica, uma vez que o que não corresponder a estas normas não vale para o direito, mas tudo o que corresponder a estas normas pode não valer para o direito. Contudo, não se pode dizer que o Direito Comercial é o direito das empresas, pois restringe demasiado, porque há muitos mecanismos que foram engendrados pelas empresas e não servem o Direito Comercial. Como exemplo disto temos o caso do cheque, que se revelou tão útil, que saiu do domínio da empresa tornando-se um instrumento comum. Assim, é restrito, porque o Direito Comercial abrange todos os mecanismos inspirados na empresa que depois se tornam comuns.
QUAL O CRITÉRIO QUE DISTINGUE AS RELAÇÕES JURÍDICAS PRIVADAS DAS RELAÇÕES QUE SE APLICAM AO DIREITO COMERCIAL? A resposta em termos de justificação está na empresa, ou seja, a sua existência justifica que se desencadeie um regime próprio – o Direito Comercial. Os vários critérios: acto de comércio, comerciante e empresa não se opõem uns aos outros, estão todos ligados à comercialização, ou seja, o comércio liga-se ao acto de comércio no sentido económico, mas aplicado à indústria é inconcebível. É, assim, vista a empresa como fundamento da autonomia do Direito Comercial. No Direito Comercial Português, não sendo um direito empresarialista, a empresa não é definida. O que pode acontecer é dizer que para efeito de determinado regime deve entender-se empresa de uma certa forma. Vamos, assim, procurar à realidade, à economia o que é a empresa, ou seja, temos de procurar uma noção a partir do que ela o é na realidade; verificar qual é a aspiração que ela supõe e tratá-la pelo direito, encontrando uma noção intermédia, que é a noção pré-jurídica de empresa, segundo o Dr. Orlando Carvalho. Neste contexto, empresa define-se como um processo destinado à produção em sentido amplo (prestação de serviços) objectivado que se caracteriza pela autonomia funcional, isto é, o resultado liga-se ao próprio processo e não a elementos intrínsecos do processo. Assim, exclui-se da empresa o escritório do advogado, o consultório médico; em suma as profissões liberais. Esta nota da autonomia funcional exclui, também, a agricultura e o artesanato. Mas, também, se caracteriza por outra circunstância: o processo extrovertido com a empresa como nova entidade no plano económico. Ainda, se caracteriza a empresa pela sua autonomia finalística, onde esta visa obter um excedente, significando a auto produção com vista a assegurar a sua continuidade e a obtenção de lucro. Com a troca, a empresa entra no mercado com vista a ser um sujeito emissor e receptor de mensagens produtivas. Temos, assim, 3 dimensões da empresa que são utilizadas de forma isolada, na linguagem corrente:

  • 1. SUBJECTIVA, a empresa enquanto actividade do sujeito e enquanto processo.
  • 2. OBJECTIVO, a empresa enquanto bem o património do sujeito.
  • 3. INSTITUCIONAL, a empresa enquanto sujeito no plano económico.

Vamos agora, depois de detectado o que é a empresa, procurar saber quais são os interesses que a existência de uma empresa postula e as suas características? A mais importante característica é a DO INTERESSE NA TUTELA DO CRÉDITO. Esta tutela do crédito é um aspecto fundamental, pois é a forma de proteger o credor, uma vez que no Direito Comercial quando dois ou mais sujeitos contraem uma dívida; um responde pela totalidade da dívida. Outra característica é A TENDÊNCIA PARA A DESFORMALIZAÇÃO E DESCOMPLEXIBILIZAÇÃO DOS NEGÓCIOS. No Direito Civil há muitas e importantes excepções ao princípio da liberdade de forma. No Direito Comercial, o princípio é o da máxima liberdade de forma – artigo 15º CCom. Temos, assim, a empresa assentando tendencialmente na riqueza mobiliária, em bens móveis que circula rapidamente, de acordo com o artigo 1º e 2º do Dec-Lei nº 453/99. Por outro lado, temos O INTERESSE NA CONSERVAÇÃO DA EMPRESA, isto é, preservação da sua unidade, causa da sua integralidade sobretudo na transmissão da empresa. Um aspecto fundamental da transmissão está previsto no artigo 115º, nº 1 RAU, que nos vem dizer quando há transmissão da empresa como prédio arrendado, transmitindo-se independentemente da posição do senhorio. Um outro aspecto fundamental é o facto do próprio regime na transmissão de quotas nas sociedades, que é diferente de empresa, pois as sociedades são o sujeito que detêm a empresa. Outra característica é A TUTELA DA EXPLORAÇÃO LUCRATIVA, como no caso do contrato de locação financeira –Dec-Lei nº 148/95 e artigo 11º, nº 1 e 3. Uma outra é o INTERESSE DA INCONDICIONALIDADE como no contrato de garantia bancária. A TUTELA DA SEGURANÇA E FIRMEZA NAS TRANSACÇÕES é uma outra característica. Uma última é A TUTELA DA APARÊNCIA, aparência esta que se gera, podendo levar à responsabilização; ou seja, é aparente contra aquilo que pode ser a realidade, pelo artigo 23º do Dec-Lei 17/96. Em suma; resulta do artigo 1º CCom que o nosso CCom aplica-se aos actos de comércio, que é o centro do nosso sistema, podendo ter por detrás uma empresa. Estes actos de comércio estão definidos no artigo 2º CCom, não tendo uma noção substancial que se divide em 2 PARTES:
POR UM LADO OS ACTOS OBJECTIVOS E COMÉRCIO E POR OUTRO. O nosso Código faz uma definição de actos de comércio por remissão, que vem regulada neste Código não exaustivamente, pois basta que estejam previstos e a lei dê alguns efeitos como a compra e venda, o mandato, o depósito, as operações bancárias e outras.
Em segundo, tem de ser interpretado em sentido amplo, pelo facto de existir o Código e Leis avulsas que vem substituir normas do Código, como o caso da Lei da locação que é uma lei comercial, porque as soluções que ela consagra são tipicamente comerciais e não civis. Artigo 2º CCom: “Serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código, e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar.” Artigo 1º CCom: “ A lei comercial rege os actos de comércio sejam ou não comerciantes as pessoas que neles intervêm.” Artigo 2º CCom: “Serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código, e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar.” Artigo 230º CCom: “ Haver-se-ão por comerciais as empresas, singulares e colectivas (…)” Artigo 463º CCom: “ São consideradas comerciais as compras de coisas móveis para revenda (…); a venda de coisas móveis (..), as compras e revendas de bens imóveis ou de direitos a eles inerentes (…), as compras e vendas de partes ou de acções de sociedades comerciais.”
Artigo 362º CCom: “São comerciais todas as operações de bancos tendentes a realizar lucros sobre numerário, fundos públicos ou títulos negociáveis, e em especial as de câmbios, os arbítrios, empréstimos, descontos, cobranças, aberturas de créditos, emissão e circulação de notas ou títulos fiduciários pagáveis à vista e ao portador.” Artigo 366º CCom: “O contrato de transporte por terra, canais ou rios considerar-se-á mercantil quando os condutores tiverem constituído empresa ou companhia regular permanente. § 1º Haver-se-á por constituída empresa, para os efeitos deste artigo, logo que qualquer ou quaisquer pessoas ou animais, alfaias ou mercadorias de outrem. § 2º As companhias de transportes (…) para as sociedades comerciais (…). § 3º As empresas e companhias mencionadas (…) designadas (…) de transportador. § 4º Os transportes marítimos (…) regulados (…) Código.” Artigo 1º CCom: “ A lei comercial rege os actos de comércio sejam ou não comerciantes as pessoas que neles intervêm.” Artigo 230º CCom: “ § 1º Não se haverá como compreendido no nº 1 o proprietário ou o explorador rural que apenas fabrica ou manufactura os produtos do terreno que agriculta acessoriamente à sua exploração agrícola, nem o artista, industrial, mestre ou oficial de ofício mecânico que exerce directamente a sua arte, indústria ou ofício, embora empregue para isso, ou só operários, ou operários e máquinas. § 2º Não se haverá como compreendido no nº 2 o proprietário ou explorador rural que fizer fornecimento de produtos da respectiva propriedade. § 3º Não e haverá como compreendido no nº 5 o próprio autor que editar, publicar ou vender as suas obras.” Artigo 463º CCom: “ São consideradas comerciais as compras de coisas móveis para revenda (…); a venda de coisas móveis (..), as compras e revendas de bens imóveis ou de direitos a eles inerentes (…), as compras e vendas de partes ou de acções de sociedades comerciais.” Artigo 464º, nº 1 CCom: “Não são consideradas comerciais as compras de quaisquer coisas móveis destinadas ao uso ou consumo do comprador ou da sua família, e as revendas que porventura desses objectos se venham a fazer.” Artigo 463º, nº 1 CCom: “São consideradas comerciais as compras de coisas móveis para revenda, em bruto ou trabalhadas, ou simplesmente para lhes alugar o uso.” Artigo 463º CCom: “ São consideradas comerciais as compras de coisas móveis para revenda (…); a venda de coisas móveis (..), as compras e revendas de bens imóveis ou de direitos a eles inerentes (…), as compras e vendas de partes ou de acções de sociedades comerciais.” Artigo 230º, nº 1 CCom: “Haver-se-ão por comerciais as empresas, singulares ou colectivas, que se propuserem a transformar, por meio de fábricas ou manufacturas, matérias-primas, empregando para isso, ou só operários, ou operários e máquinas." Artigo 15º RAU: “É permitida a transmissão por acto entre vivos da posição do arrendatário, sem dependência da autorização do senhorio, no caso de trespasse do estabelecimento comercial ou industrial.”